sexta-feira, 15 de setembro de 2017

DELATAR E DELAÇÃO - ORIGEM E ETIMOLOGIA


Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Por que o verbo é delatar e o substantivo é delação (não delatação)?
É um simples processo etimológico. A forma verbal DELATAR provém do verbo irregular latino DEFEERE cujos tempos principais são os seguintes: (Defero, defers, detuli, delatum, deferre – derivado de fero, fers, tuli, latum, ferre que significa levar, trazer). DEFERRE significa denunciar, sentido metafórico do significado original desse verbo que é levar de um lugar para outro; delatar liga-se intimamente a leva-traz, mexerico, intriga, maledicência. 
O tempo verbal que origina delatar é DELATUM, supino, tempo verbal que desapareceu na formação da língua portuguesa a partir da língua original, o latim. Delatum, no idioma original significava ‘para denunciar’. Com a intensificação do uso das preposições em nosso idioma para marcar as mesmas funções latinas, a forma ‘para delatar’ substituiu a forma original ‘delatum’. Porém, os termos mais eruditos originários diretamente da forma latina permaneceram em nosso idioma. 
Muitas outras palavras eruditas portuguesas provêm desse processo. Veja-se o exemplo do termo ‘tato’, de tocar. O verbo latino tocar em latim era TNAGERE. Dele provém o substantivo ‘tangente’, linha que apenas toca uma figura. Assim, TANGERE (tango, tetegi, tactum, tangere). Do tempo supino do latim ‘tactum’ provém o substantivo da língua portuguesa ‘tato’, um dos sete sentidos clássicos que possuímos, e muitos outros termos como táctil ou tátil, tatibilidade, etc. Mas do infinitivo TANGERE provêm tangencialmente, tangível, tangenciar, tanger (violão ou gado) e tantas outras palavras.
DELAÇÃO – no sentido de denúncia, revelação, provém do mesmo verbo DEFERRE, do próprio supino DELATUM, através do substantivo derivado ainda latino DELATIO (nominativo), DELATIONIS (genitivo). A maioria das palavras portuguesas possuem relação como o genitivo latino. Genitivo significa genitor, pai, caso que origina os demais casos, e indica um tipo de adjunto adnominal. A forma SUFIXAL ‘-IONE’ latina gerou ‘-ÃO’, EM PORTUGUÊS. O ‘t’ final de muitos radicais latinos transformou-se em ‘c’ ou ‘ç’. Vejam-se os seguintes exemplos: ACTIONE gerou ação, FRACTIONE gerou fração, RELATIONARE gerou relacionar, etc., etc. Aliás, já no latim tardio, especialmente no eclesiástico, 't', seguido de 'i' mais vogal lia-se como nosso 'c' português diante de 'e' e 'i'. Assim LATIO, PALATIUM, RATIONE, ETIAM, LAUDATIO, RATIO e muitíssimas outras palavras da mesma ocorrência liam-se Lácio, palácium, racione, eciam, laudácio, rácio.
Além do mais, essa tendência de o 't' latino modificar-se foneticamente em fonemas como 'c' e outros próximos a ele aparece em muitos idiomas. Veja-se o caso do espanhol com palavras como 'emoción', que provém do latim EMOTIONIS, locación, do latim LOCATIONIS, promoción, do latim PROMOTIONIS. Também com a língua inglesa ocorre o mesmo com Option, do latim OPTIONIS, que mantém a grafia 't', mas com pronúncia próxima a 'c'; o mesmo acontece com os termos ingleses, Formation, de FORMATIONIS, Organization, de ORGANIZATIONIS, Induction de INDUCTIONIS. A língua francesa comporta-se de forma muito semelhante à inglesa. Assim, em 'opération', o 't' foneticamente equivale a um 'c' e se origina da forma latina OPERATIONIS, Da esma forma acontece com 'notion', de NOTIONIS, 'émotion', de EMOTIONIS, 'adaptation' de ADAPTATIONIS, 'préparation' de PREPARATIONIS, etc., etc. As mudanças linguísticas não acontecem ao acaso, possuem regularidades de comportamento que ultrapassam mesmo as fronteiras dos idiomas e dos países, porém recebem grandes influências do idioma primitivo da região que funciona como substrato apagado, mas agindo por baixo.

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