domingo, 5 de março de 2017

RAZÕES DA DEFASAGEM DO SALÁRIO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DO RS EM RELAÇÃO AO SALÁRIO DE 1976/77

REFLEXÃO INDIGESTA
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Um colega que fazia parte do quadro do magistério público estadual em 1976 e 1977 fez-me algumas observações que considerei muito pertinentes. Os dados que me forneceu levaram-me à elaboração do presente artigo, que julgo útil para o entendimento da situação atual dos membros magistério público de nosso estado.
Ele tinha dois contratos de 20 horas semanais. Era apenas graduado e recebia o equivalente a US$ 1.000,00 (mil dólares) por contrato. Portanto, recebia o equivalente a dois mil dólares mensais.
Considerando a cotação do dólar de hoje R$ 3,11, deveria receber por vinte horas semanais, em reais, R$ 3.110,00 (três mil cento e dez reais) por contrato. Como tinha dois, seriam R$ 6.220,00 (seis mil duzentos e vinte).
Palavras dele:
 “Minha esposa e eu éramos professores do estado, com três filhos pequenos e duas meninas adolescentes que moravam conosco, uma para cuidar das crianças e a outra da casa. Com o salário recebido do estado, sem qualquer outra ajuda ou qualquer recurso, pagávamos: O salário das meninas. Minha mensalidade integral como aluno da Unisinos na época, sem qualquer desconto. A escolinha das crianças. A prestação da casa que tínhamos comprado em um bairro nobre de Canoas. Além disso, tínhamos um carro para ir à escola, à universidade e sair com as crianças nos fins de semana. Tudo com o nosso salário. O que aconteceu? Acho que financeiramente perdemos muito como professores.”
A esse tempo, ele havia feito um concurso para a URGS. Assinou um contrato de 20 horas semanais com a Universidade. Sendo convidado para outro contrato de mais 20 horas, recusou porque deveria abrir mão de um contrato estadual. Financeiramente, isso não valeria à pena, nessa época.
Palavras dele:
“Era um salário muito bom na época. Eu fiquei um tempo com 40 horas no estado e 20 horas na UFRGS sem querer pegar 40 horas na UFRGS.” (Fonte: Prof. Dr. Vilson Leffa, que me autorizou citá-lo.)
O discurso falacioso, mentiroso de que se deu prioridade à educação, repetido por todos os governantes desde essa época levou-nos à vergonhosa situação de sequer pagar nas datas previstas o salário ridículo a que são submetidos nossos colegas do magistério público.  
O mesmo se poderia dizer em relação à saúde, à segurança e a outras áreas do serviço público em razão das quais nossos governantes cobram impostos cada vez mais escorchantes.
A alardeada sexta posição de nosso PIB no ranking das nações, hoje rebaixada para nona, o que ainda é fantástico, de nada valeu aos cidadãos. Elites cada vez mais vorazes cuidaram de deslocar para economias privadas todos os resultados de nosso crescimento e produção.
Pode-se ter certeza de que aquilo que se faz agora com a previdência tem origem no mesmo descaminho. A previdência social tem três fontes de receita, conforme legislação de sua criação. Partes iguais deveriam provir do empregado, do empregador e do Estado, que deveria prover um fundo previdenciário, pois, de início, o número de aposentados seria muito reduzido.
O Estado nunca entrou com sua parte. O fundo previdenciário, embora vilipendiado, existiu por um longo tempo. Porém, sucessivos governos foram corroendo seu montante que foi zerado. Hoje, o governo alega a impossibilidade de cumprir com suas obrigações sociais, com argumentos muito suspeitos e de pouca credibilidade.
Com o salário do magistério ocorreu o mesmo. Sucessivos governos, de todos os partidos, foram tomando medidas corrosivas ao salário do magistério e a outras funções de competência do governo estadual. O resultado é o soldo degradante que a categoria recebe de há muito, assim mesmo, parcelado.
Isso sem levar em conta o desenvolvimento econômico gigantesco que houve de então para cá. Alguns dados mostram que a situação presente seria muito mais confortável, não fossem os sucessivos desmandos administrativos de todos os governos.
Veja-se que o PIB do Brasil, em 1976 era de US$ 152,7 (cento e cinquenta e dois bilhões e setecentos milhões de dólares). Em 1977, de US$ 176,2 (cento e setenta e seis bilhões de duzentos milhões de dólares). O PIB do Estado era em torno de US$ 9 (nove bilhões de dólares) em 1976 e US$ 10,5 (dez bilhões e meio de dólares), em 1977.
Hoje, o PIB brasileiro, em 2016, com toda a crise que se alardeia, chega à soma fantástica de R$ 5.778.953 (cinco trilhões, setecentos e setenta e oito bilhões e novecentos e cinquenta e três milhões de reais) ou sejam, US$ 1.858.184 (um trilhão, oitocentos e cinquenta e oito bilhões, cento e oitenta e quatro milhões de dólares). É o nono PIB nominal de todas as economias do mundo, acima do Canadá, da Rússia, da Austrália. Foi o sexto, acima mesmo da Inglaterra. Não se precisa sequer visitar esses países para se constatar a superioridade de remuneração das categorias que prestam serviços públicos nessas comunidades.
Aí está o fruto dos governos perdulários e fraudadores do erário público, não apenas dos últimos tempos, mas desde que eu me conheço por gente. Há quarenta anos, organizei uma rede de eletrificação rural numa comunidade do interior. Todo o projeto estava dentro das exigências do momento e nunca era aprovado.
Tinha, então, um conhecido que era proprietário de uma empresa de eletrificação. Recorri a ele. Qual foi minha surpresa ao saber que esses projetos somente recebiam aprovação mediante a execução por uma empresa autorizada. Ele me afirmou sem a menor cerimônia que eles pagavam uma substancial propina aos órgãos concessionários para receberem os contratos.
Como se faria a implantação da rede por mutirão dos agricultores envolvidos, jamais seríamos autorizados a concretizar o projeto. Apelei ao prefeito de então, sob a ameaça de colocar tudo aquilo a público se não fosse autorizado o projeto. Somente assim conseguimos realizar a implantação da rede.
Esse processo de propinas é geral em prefeituras, nos governos estaduais, no governo federal, empresas públicas de todas as naturezas de há séculos. Os dados que estão sendo levantados por aí são de conhecimento de muita gente de há anos. Caso se faça investigação em cada empresa pública, em cada prefeitura, em cada secretaria, em cada governo estadual, e principalmente no governo federal de todos os tempos e de todos os partidos vai-se constatar o mesmo. Propina em cima de propina. Pouquíssimas e louváveis exceções haverá. Só se investiga quando se quer e se tem objetivos específicos.
Voltando à questão do salário de nosso magistério público, veja-se que o Rio Grande do Sul teve um PIB em 2016 de R$ 357.816 (trezentos e cinquenta e sete bilhões, oitocentos e dezesseis milhões de reais). Isso equivale a US$ 115.053 (cento e quinze bilhões e cinquenta e três milhões de dólares), valor próximo do PIB do Brasil em 1976.
Portanto, o salário dos professores públicos está tão defasado, vilipendiado mesmo, por más ou fraudulentas administrações. Sucessivos administradores implantaram setores e funções que favoreciam seus apadrinhados políticos, além do mais, concederam enormes e escandalosos incentivos fiscais a empresas que retribuíram esses favores, repassando substanciais valores em benefício de administradores corruptos. Essa é a razão do estado financeiro lamentável em que se encontram nosso Estado e nosso país no presente momento.

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