sexta-feira, 20 de maio de 2016

AS LAVADEIRAS DO RIO



As Lavadeiras - Quadro de Daniel Ridgway Knight, (1880)

Oh, lavadeiras do riacho, quantas lembranças me trazem, Com esses lenços de touca, os longos panos vestidos.
As águas sempre correndo, fluindo eternamente. Buscando os eternos gonzos no universo, escondidos, escondem tantos segredos, mistérios, mythos... num ritual repetido...
Ainda ouço o riacho, bem mais modesto que este, cantarolando baixinho: os seixos, ramos, espinhos...
Revejo o galho teimoso que as águas levam correndo, mas ele, preso ao barranco, com as raízes pegadas, puxa-se de novo p'ra cima, as águas brincam com ele e o empurram p'ra frente... Nesse eterno brinquedo, quedava-me deitado à grama, ou nas areias macias...
Olhava o azul do céu... as nuvens correndo, soltas e, perdido, retornava para as águas do riacho. Tão manso, tão inocente, tão limpo, de águas tão claras... no fundo, tudo se via... não mais que cinco ou seis palmos... As pedras com que eu brincava... por lá ainda se encontram... talvez cobertas de musgos... ou soterradas de areias.
O mato, no abandono, tudo engoliu passo e passo... Correram anos... sem conta... cinquenta... sessenta... quem sabe, um pouco mais... que importa? Importa que na lembrança as pedrinhas inda são brancas, amareladas talvez...
Minha mãe cantarolando velhas cantigas do tempo...cantarolava o riacho e um pássaro de quando em quando... nos dias de tempo feio, eram os sapos também... essa eterna sinfonia sem clave de início ou fim... Eternamente correndo, a vida, o riacho, o sabão limpando as roupas, que o tempo torna a sujar... Todo dia lavar roupas... roupas ao sol a secar... Vapores de águas ao céu... águas da chuva a soar... a escorrer nos caminhos... e o riacho... ah! o riacho... ah minha mãe... sua vozinha sumiu pelas brenhas do arvoredo... apagou-se... foi...
Sua cantiga, no entanto, não morre, não cala nunca... A cabeleira caída... quantos sonhos de menina... eu tinha meus quatro anos... ela vinte e um pouco mais... Somente as águas ouviram aquela doce harmonia: a da água que corria, com a vozinha que entoava, somada ao canto das aves, à sombra e ao sol pungente. Tudo ali era inocente: água limpa, céu azul, caprichos da natureza... vizinhos... só mui distantes... silêncios... longos vazios... repletos de sentimentos que o barulho levou..
Aqui sentado... sozinho, percorro lento o caminho que da casa leva ao rio... rio, modo de dizer. Era um riacho tão fraco, atravessava-se a um pulo, sem sequer molhar os pés.
Vieram ventos na vida. E o riacho ficou. Sozinho, lá no seu brejo. Mas lá esconde mansinho, o sonhos de um menininho, as velhas canções sublimes dos sonhos de minha mãe... Escuto... paro... pra ouvir uma mocinha cantando e um menininho deitado, ouvindo as águas do rio...
(Esse não é um sonho de poeta, é pura lembrança).

15 comentários:

  1. Lindo demais! Não há palavras para definir os sentimentos que invadem nossa alma ao ler tão belo texto.

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  2. Lindo demais! Não há palavras para expressar os sentimentos que tão belo texto desperta em nossa alma.

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  3. Obrigado pelas palavras de incentivo, querida Ilce.

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  4. "As águas sempre correndo, fluindo eternamente".

    Estas águas que levam e trazem nossas lembranças mais sutis... que nos revigoram da saudade adormecida... que às vezes são lágrimas, nem sempre tristes, muitas vezes pura emoção... Obrigada por tão linda escrita! bjs

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  5. Quanta doçura em tuas palavras, querida amiga. São bálsamo que me impulsiona a produzir mais. Muito agradecido.

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  6. Obrigado, querida Rosah. Deus te abençoe e te guarde.

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  7. A vida nos leva por caminhos, ora sinuosos, ora mansos... Jamais sabemos onde vamos é como. Ao dissertar sobre as suas lembranças, professor, remete-me obrigatoriamente as minhas. Fui criada por cozinheiras e, apesar de minha infância ter sido urbana, vi muitos sonhos acontecerem sob as mãos hábeis de minhas três tias. Doceiras e cozinheiras, sustentaram uma grande família com seus dotes culinários. Acolheram sonhos de casamentos e aniversários em obras primas do paladar! A mim restou seu legado de amor e sonhos. Amor pela capacidade de unir pessoas à mesa, farta e cheia. Sonhos de levar a cada família o gosto pelo sabor à vida... Lamento não ter este sonho realizado, mas me quedam as lembranças da cozinha cheia e farta de aromas,sabores e sonhos...
    Hoje, enquanto preparo meus pratos, não há um só dia em que não me recorde os felizes momentos de minha infância, de minhas descobertas culinárias entre nuvens de farinha e vapores de água... sonhos foram feitos para serem vividos!

    Lembranças nunca serão soterradas enquanto tivermos o céu como limite!

    Obrigada por privocar-me!

    "Olhava o azul do céu... as nuvens correndo, soltas e, perdido, retornava para as águas do riacho. Tão manso, tão inocente, tão limpo, de águas tão claras... no fundo, tudo se via... não mais que cinco ou seis palmos... As pedras com que eu brincava... por lá ainda se encontram... talvez cobertas de musgos... ou soterradas de areias.ul do céu... as nuvens correndo, soltas e, perdido, retornava para as águas do riacho. Tão manso, tão inocente, tão limpo, de águas tão claras... no fundo, tudo se via... não mais que cinco ou seis palmos... As pedras com que eu brincava... por lá ainda se encontram... talvez cobertas de musgos... ou soterradas de areias."

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    1. Obrigado, querida Berê, pelo carinho de tuas palavras e pelo paralelo estabelecido entre a tua realidade e a minha. Beijos.

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  8. Também ouço sua voz cantarolando em minha memória. Seu canto a levava para outros lugares e ajudava a enfrentar a vida dura que levava. Amava muito os filhos, mas era o primogênito de quem era mais se orgulhava. Beijos Luigi!

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  9. Mano querido, que texto lindo, leve e verdadeiro. Emocionante. Palavras perfeitas para imagens lindas! Fez-me lembrar também minha infância na fazenda...enquanto lavavam e "quaravam" as roupas, eu treinava salto com vara ( uma taquara!!!)de um lado a outro da " sanga"...Boa semana. Beijos a vcs.

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  10. Obrigado, Maninha, pelas doces palavras. Na realidade, vivemos infâncias semelhantes. Isso nos enriqueceu. Beijos meus e da Cris.

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  11. Oi, Maninha Marisa, ela ficou sempre com a gente. Beijos com grande carinho deste mano que te ama.

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  12. Ótimo seu texto, professor Oscar. Meus parabéns! Se eu fosse um fenomenólogo diria que seu texto está fenomenológico!

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  13. Obrigado, meu querido colega Gerson Shulz, meu caro Filósofo do Cotidiano, pelo incentivo e o carinho de sempre.l

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