terça-feira, 30 de junho de 2015

EROS E THÂNATOS – AMOR E MORTE NA MITOLOGIA GREGA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

Eros (ἔρως) era a divindade grega do amor. Filho do deus primordial Caos, juntamente Gaia (Γαία) a Terra Mãe; (Urano (Οὐρανός), o Céu Estrelado; Nix (Νύξ), a Noite; Érebo  (Ἔρεβος), a Escuridão Profunda,  Eros compunha um conjunto de divindades primordiais. Segundo outra versão do mito, Eros seria filho de Poros (Πόρος), a Abundância e Penia ou Pênia (Πενία), a Pobreza. Seria, portanto, filho da mais completa abundância e da extrema miséria. Isso produziria nele uma carência, um desejo de completude insaciável. Seria a mais completa imagem da curiosidade e do desejo que orientariam toda a busca, desde a curiosidade e a pesquisa científica, até a procura de completude amorosa do coração, englobando também a procura da completude física e sexual.
Em contraposição à pulsão de Eros, do amor, encontra-se a pulsão que busca a morte, Thânatos (θάνατος) na mitologia grega a própria personificação da morte, enquanto Hades reinava sobre o mundo inferior. Thânatos era filho de Nix, a Noite, que por sua vez era filha de Caos, o deus amorfo, assexuado e informe, do qual tudo provinha.
Vejam-se as coincidências das narrativas primitivas. Diz o Gênesis bíblico: "No começo criou Deus o céu e a terra, a terra, porém, era sem forma e vazia..." (Gn 1.1).  Segundo afirma Hesíodo na Teogonia, no principio era Caos (vazio primordial), depois veio Gaia (a Terra), Tártaro (terras abismais) e Eros (Amor). Desse Caos imenso e sombrio , surgiu Érebo (escuridão) e Nix (noite). Nix juntou-se a Érebo dando origem a Éter e Hemera (dia) . De Gaia, nasceram Urano (céu), Montes (montanhas), e Ponto(mar).
Thânatos era filho sem pai, por partenogênese, de Nix, nascido em 21 de agosto, era irmão gêmeo de Hipnos (Ὕπνος), o Sono. Habitavam juntos os Campos Elíseos, região do Hades configurada com o paraíso terrestre.
Eros
A mitologia apresenta uma bela metáfora para compreendermos a amálgama entre as pulsões. No mito grego, Eros (Cupido na mitologia romana) é o deus do amor e Thânatos, deus da morte. Eros, o mais belo dos deuses, possui arco e flecha com os quais costuma enlaçar de amor homens, mulheres e deuses. De acordo com certa narrativa mítica, certo dia Eros adormeceu numa caverna, embriagado por Hipnos (deus do sono, irmão de Thânatos). Durante o sono e os sonhos, suas flechas espalharam-se pela caverna, misturando-se às de Thânatos, a morte. Ao despertar, Eros sabia apenas o número de flechas que possuía. Sem reconhecê-las, recolheu aleatoriamente o número exato. Sem saber, levou algumas que pertenciam a Thânatos.  Sendo assim, Eros passou a portar flechas de amor e morte.
Thânatos
Segundo a teoria psicanalítica freudiana, o psiquismo humano subdivide-se em três instâncias que interagem em reciprocidade. São elas o id, o ego e o superego. O id é responsável pelo inconsciente. É responsável pela satisfação dos desejos e pulsões.
O superego é a região que trabalha com a internalização das regras e princípios que regem os valores sociais, a moral coletiva. Cria modelos de comportamento. Já o ego corresponde ao eu consciente e racional. Estão a seu encargo as soluções dos conflitos psicológicos. Ele é o responsável pelo controle das pulsões instintivas do id. Também rege o superego, conscientizando o sujeito dos preconceitos reinantes no meio social e introduzidos no inconsciente pelo convívio, como se fossem forças naturais. Dessa interação entre esses três elementos psicológicos deve resultar o equilíbrio psíquico do indivíduo. Os desajustes entre eles provocam as neuroses todas e todas as doenças psíquicas.




segunda-feira, 29 de junho de 2015

UMBERTO ECO LANÇA NOVO LIVRO - NÚMERO ZERO

Acabo de receber feliz, da minha amada Cristina, o novo lançamento do escritor italiano Umberto Eco. O tema inusitado do livro, cujo título é "Número Zero", é o jornalismo, ou o que há de negativo no jornalismo. "Um grupo de redatores, reunidos ao acaso, , prepara um jornal informativo;seu objetivo é chantagear, difamar, prestar ser viços duvidosos a seu editor. Um redator paranoico, vagando por uma Milão alucinada (ou alucinado numa Milão normal), reconstitui cinquenta anos de história sobre um cenário diabólico, que gira em torno do cadáver putrefato de um pseudo-Mussolini. E, nas sombras, a Gládio, a loja maçônica P2, o assassinato do papa João Paulo I, o golpe de Estado de Junio Valerio Borghese, a CIA, os terrroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de atentados e cortinas de fumaça - um conjunto de fatos inexplicáveis que parecem inventados, até um documentário da BBC mostrar que são verídicos, ou que pelo menos estão confessados por seus autores.
Um cadáver entra em cena de repente na rua mais estreita e mais mal-afamada de Milão. Uma delicada história de amor se desenrola entre dois personagens, dois perdedores por natureza: um ghost-writer fracassado e uma mulher perturbadora, que, para ajudar a família, largou a faculdade e se especializou em cobrir casos amorosos de celebridades, mas ainda chora quando ouve o segundo movimento da Sétima Sinfonia de Beethoven.
Uumberto Eco - 83 anos
Um perfeito manual do mau jornalismo que o leitor percorre sem saber se foi inventado ou simplesmente gravado ao vivo. Uma história que se passa em 1992, na qual se prefiguram tantos mistérios e tantas loucuras dos vinte anos seguintes, enquanto os dois poersonagens acreditam que o pesadelo terminou. Uma aventura amarga e grotesca que se desdobra na Europa do fim da Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje."
Umberto Eco, nascido em Alexandria, Egito, em 1932, é professor aposentado da Universidade de Bolonha, norte da Itália. Publicou livros teóricos, de modo especial na área da semiótica, Inicia sua carreira de ficcionista na década de 1980, com a famosa narrativa poilicial, cujo entrecho se desenvolve na Idade Média, intitulada "O Nome da Rosa", que se tornaria um best-seller do ramo, tendo sido levada também para o cinema.

domingo, 28 de junho de 2015

POEMA DA GARE DE ASTAPOVO - MARIO QUINTANA TAMBÉM HOMENAGEOU LEV TOLSTOY


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,
Contra uma parede nua...
Sentou-se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!

A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos os que realizam os velhos sonhos da infância!
(Mario Quintana)

A MORTE DE TOLSTOY, UM PESADELO NA ÚLTIMA ESTAÇÃO?

Lev Nikolayevich Tolstoy
Não, não conheço a Rússia, jamais entrei em seu território. Lamento isso. Mas está seguramente em meus planos. Talvez seja minha próxima viagem para fora do país. Porém, conheço detalhadamente Astapovo. Sua estaçãozinha de velhos trens... até mesmo a modestíssima residência do encarregado da via férrea... o pobre Orozin.
Naquele 28 de outubro de 1910, eu estava lá. Solicitei-lhe que se contivesse um pouco. Seus 82 anos exigiam moderação. Mas ele não me ouviu. O povo precisava dele. Tinha a obrigação de deixar um gesto que apontasse em direção contrária ao muito que dissera em anos anteriores. Recuperara a crença na transformação do país...
Mas mestre, essa fumaça está afetando seus pulmões. Ele viajava num vagão de terceira classe, muito próximo da locomotiva que queimava carvão. As pás jogando o combustível na caldeira. O inverno que se intensificava. No entanto, nada o demoveu. A neblina condensava ainda mais a fumaça e a fuligem da combustão...
A custo, convencemo-lo a descer naquela estaçãozinha para tomar ares. Astapovo. O médico aplicou morfina e cânfora. Tudo o que temia acaba de ocorrer. Novamente a família. A ganância sobre o rendimento de suas obras. Exigência de um testamento.
Jamais esqueci Astapovo. A misteriosa fuga noturna do grande escritor. Fugia de quê? Velho. Doente. Era Adão que fugia do paraíso. A maravilhosa mansão campestre de sua cidade natal Yasnaya Polyana.  Sasha, a filha mais jovem, o acompanhava. Teria o velho Lev  Nikolayevich Tolstoy ensandecido aos 82? O chefe da estação condoeu-se. Levou-o para sua pobre casa. Cobertura de zinco.
Foi a primeira morte acompanhada ao vivo pelos jornais. O primeiro reality show da história. A esposa tomou um trem especial e encontrou o velho já inconsciente. Eram quase seis da manhã. Sete de novembro. A luz do raiar do dia já penetrava pelas paredes mal calafetadas.

Soafia, abandonada depois de tantos anos e tantos filhos, ambicionava os bens que o marido insistia e legar tudo ao povo russo, de acordo com suas concepções do final da vida. Conseguia apenas vislumbrar desesperada, através da vidraça, o vulto de rosto desfurado de Lev.
Voltou para o trem. Agora já devidamente embalado para a derradeira viagem. Uma multidão o aguardava na estação e o acompanhou até sua morada fatal. No bosque de Zaseka, junto a um pequeno penhasco, estava a casa onde escolhera residir para todo sempre. Finalmente, em 1947, mudei-me para estas paragens do sul do Brasil. Menos frio.


A MORTE DE TOLSTOY, UM PESADELO NA ÚLTIMA ESTAÇÃO?


Não, não conheço a Rússia, jamais entrei em seu território. Lamento isso. Mas está seguramente em meus planos. Talvez seja minha próxima viagem para fora do país. Porém, conheço detalhadamente Astapovo. Sua estaçãozinha de velhos trens... até mesmo a modestíssima residência do encarregado da via férrea...
Naquele 28 de outubro de 1910, eu estava lá. Solicitei-lhe que se contivesse um pouco. Seus 82 anos exigiam moderação. Mas ele não me ouviu. O povo precisava dele. Tinha a obrigação de deixar um gesto que apontasse em direção contrária ao muito que dissera em anos anteriores. Recuperara a crença na transformação do país...
Mas mestre, essa fumaça está afetando seus pulmões. Ele viajava num vagão de terceira classe, muito próximo da locomotiva que queimava carvão. As pás jogando o combustível na caldeira. O inverno que se intensificava. No entanto, nada o demoveu. A neblina condensava ainda mais a fumaça e a fuligem da combustão...
A custo, convencemo-lo a descer naquela estaçãozinha para tomar ares. Astapovo. O médico aplicou morfina e cânfora. Tudo o que temia acaba de ocorrer. Novamente a família. A ganância sobre o rendimento de suas obras. Exigência de um testamento.
Jamais esqueci Astapovo. A misteriosa fuga noturna do grande escritor. Fugia de quê? Velho. Doente. Era Adão que fugia do paraíso. A maravilhosa mansão campestre de sua cidade natal Yasnaya Polyana.  Sasha, a filha mais jovem, o acompanhava. Teria o velho Lev Tolstoy ensandecido aos 82? O chefe da estação condoeu-se. Levou-o para sua pobre casa. Cobertura de zinco.
Foi a primeira morte acompanhada ao vivo pelos jornais. O primeiro reality show da história. A esposa tomou um trem especial e encontrou o velho já inconsciente. Eram quase seis da manhã. Sete de novembro. A luz do raiar do dia já penetrava pelas paredes mal calafetadas.
Voltou para o trem. Agora já devidamente embalado para a derradeira viagem. Uma multidão o aguardava na estação e o acompanhou até sua morada fatal. No bosque de Zaseka, junto a um pequeno penhasco, estava a morada onde escolhera residir para todo sempre. Finalmente, em 1947, mudei-me para estas paragens do sul do Brasil. Menos frio.


sábado, 27 de junho de 2015

A IMPORTÂNCIA DO MITO PARA O HOMEM MODERNO

Na verdade, a paideia grega, de ensinar através de narrativas, é muito mais moderna do que qualquer outro método que se possa conceber. Já assim o fazia Jesus Cristo com suas parábolas. A narrativa é sempre polissêmica em suas amplitudes interpretativas. Cada geração, cada povo as lê a partir de seus patamares específicos.
Assim, a abordagem mitológica é sempre atual e se renova com o escoar dos tempos, colocando sempre, de novo, o homem em novas abordagens frente o mundo que o cerca.
"Na verdade, o mito, como verdade última, é elemento de orientação do ser. O homem, desde suas origens, não produz os mitos. As ideias mitologicas ocorrem nele; ele não as pensa, mas é pensado por elas, poderíamos dizer. Os núcleos componentes de todos os mitos das diversas culturas, os mitologemas, representam estruturas mentais básicas de todos os homens. Estas moléculas estruturais do psiquismo são expressão do inconsciente coletivo (Jung), sempre inesgotável em suas manifestações, sempre presente. Geia, Deméter, Selene expressam o Arquétipo da Grande Mãe, a origem de tods as formas simbólicas e do próprio ego. Dioníso-Zagreu, Hermes e Apolo, como crianças, o arquétipo da criana, nossas potencialidades de vir-a-ser, nossa criatividade e também nossas regressões patológicas a um infantilismo inadequado. O ciclo dos heróis... a energia psíquica do inconsciente para a consciência... Econtramos, enfim, uma infinidade de entidades e configurações no panteão grego que refletem nossas próprias tendências inconscientes." (Walter Boechat).
Os mitologemas habitam de sempre nosso espírito e estão em constante transformação no inconsciente coletivo. Segundo M. Certeau, eles fazem parte do nosso próprio DNA, pois trazemos céluas, cuja estrutura está marcada pelas vivências de nossos ancestrais.
Segundo Heráclito, outros passaram por esta senda, a única novidade está na implacável força da repetição. A sabedoria, portanto, consiste em repetir aquilo que já foi dito de há milênios com o mesmo vigor com que foi dito pela primeira vez.
Assim, a mãe fera é tão mãe entre a perene imanência e transcedência eterna do ser, quanto a mais incauta das fêmeas que conduz suas crias nos rasgos que a natureza pôs diante de seus pés, para cujo destino procura conduzir sua prole com a sábia paciência inexorável dos tempos.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

APRENDO MAIS COM AS ABELHAS - Manoel de Barros (Poema que chamaram de Salmo Pagão)


(Alguém me disse, um dia, que me pareço com Manoel, pois tenho o costume inveterado de olhar para o chão. Amaria mais se meus poemas se aproximassem dos dele.)






Aprendo mais com abelhas do que com aeroplanos

É um olhar para baixo que eu nasci tendo.

É um olhar para o ser menor, para o

insignificante que eu me criei tendo

O ser que na sociedade é chutado como uma

barata – cresce de importância para o meu olho.

Ainda não entendi porque herdei esse olhar para baixo.

Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas.

Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão –

Antes que das coisas celestiais.

Pessoas pertencidas de abandono me comovem:

tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.


Manoel de Barros.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

MENINO DOS REMENDOS DA ALMA

 Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
O menino do tapa-buracos de pano pregados... joelhos... traseiros... camisa... por tudo. Não o charminho de hoje. Remendo humilhante de pobre... mal feito... outra cor... outro pano... na escola... uniforme? A camisa de saco. De farinha, de açúcar. A calça também. Tingida de cores: vermelho, azulão. Se não, fica suja, encardida do chão...
Furava o joelho... remendo tapava... Furava o traseiro... remendo, de novo. Sapato furado. Por baixo, vai certo. Por cima, não dá. E a graxa brilhava. Encobria a miséria. Que é só pro domingo, pra missa, na igreja. Depois, pé descalço... dá menos cuidado.
E a água de balde... trazia aos pouquinhos... trabalho dos miúdos... de balde após balde... um em cada mão... o arco cortante nas palmas das mãos... as costas doendo... espinho no pé... pedrinhas cortantes doíam na sola...  Trabalho infantil? E quem vai fazer? O pai tem sua quota, que já é tão dura? A mãe tem a sua, que pesa demais. Sobrava pra eles.
Por que a cacimba é sempre lá embaixo, papai? Já viste a água correndo pra cima, menino maluco? Na volta da escola, descia e subia. Enchendo as vasilhas. O uso da noite. A comida. As lavagens. Bebida dos bichos. Dos porcos, galinhas... os pintos, coitados, só bebem pouquinho...
Sentava nas pedras, olhava no céu as nuvens correndo... sonhava montar numa delas e ver o que havia no além do horizonte, da serra bicuda, onde o sol se escondia, quando a noite voltava. Tinha ido tão perto, de a cavalo, dizia... Foi ver futebol num domingo de festa...
Assim foi crescendo... a vida mudava... veio o ônibus... Cresceu... os tempos mudaram.. Os amigos, de carona, nos caminhões que passavam, ganharam o mundo... Ele, ele não, esperava sua nuvem... um dia ela veio... e se foi...

No internato encontrou acolhida do corpo... comida pra alma... por lá costuraram as brechas, os saberes desatados... dia após dia... mês após mês... ano após ano... e foram cerzindo com alma e afeto... até que chegou o dia do encanto... conseguiu ele mesmo fazer os remendos... nas fendas, nas falhas, ausências, buracos... foi tudo cerzindo, com todo cuidado...

Já os anos passados, grisalhos cabelos, de pele encolhida, com dedos cansados descobre o dom a que todos acolhem... é ele o artífice de ofícios que a vida lhe deu... Ensina remendos... remendam-se os outros a seu modo de ser... 

terça-feira, 23 de junho de 2015

UMA NOITE DE INVERNO - Para meu sogro que não conheci

                                                             Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

Praga

De repente, virei para o lado, na sala, o trabalho, um vulto eu vi. Sorrindo no escuro. Como de sempre, os cabelos grisalhos, encaracolados. De um velho livro, amarelecido do tempo, ressurge falando, contando de ti.
Pois é, releio estas histórias desde o tempo em queque ela era menina. Ela, curiosa, abria o livro. Punha-o ao colo, como se estivesse a lê-lo. Folheava atentamente cada página. Franzia cenho em gesto de reflexão, copiando cada movimento meu diante dos livros. Permanecia desse modo até que se cansava do jogo. Tomava uma de suas bonecas, muitas, e saía sala afora, correndo como o fazem todas as meninas do mundo pelos séculos sem conta.
E o vento na janela punha gelo na cena. Ouvia o tempo passando. Cortando o silêncio da noite gelada, um leve assobio da esquina mais próxima subia e baixava, como o som dos velhos rádios, nos tempos em que não havia televisão. Eu lia o jornal. Notícias de tudo. Do mundo distante, do Estado, daqui: poucas. Folheava uma nota fiscal amassada. O secretário, este crápula, ficou com o troco. É sempre assim, não aprende. Ou aprende demais. Sabe do meu constrangimento. Rouba-me sabendo que sei de tudo. Uns trocos todo dia. A vida. A pobreza, coitado. Os filhos. A mesa. Quem sabe das coisas, só deixa pra lá.
Silêncio na sala de jantar. Só o plic-plic-plic da velha máquina de costura num ritmo sem fim. Roupinhas e peças. Uns panos nos outros. Encantos que surgem das mãos talentosas, dela lá dentro. Atravesso a sala grande. Lá está a menina. O cabelo desfeito. O bico na boca. Chupava como se sorvesse algo. Suas coxinhas roliças. Calcinha colorida. Perninha marrom. Cerrados os olhos, resfolegando macio. Levei-a. Depus sobre os lençóis branquinhos. Continuou a dormir com a paz dos anjos.
Pois sempre fora assim. Foi minha. Muito mais minha. E lia. Crescia como uma flor. A flor dos meus sonhos. Era a minha menina. E moça. Lindésima. Os olhos, cobiça de tantos. Só a dor de perdê-la doía cá dentro. O peito me arfava. Arfava e doía. Detalhes te conto. São tantos. E tantos meus sonhos.
Um dia, nós juntos. Um sonho fantástico. Ela doutora. O juiz escutando. “Sim, doutora”. “Pois, não excelência.” De embalos, tropeços, a vida caminha. E ela mais linda, de dia após dia. Um dia me fui. Na curva da vida, o corpo não pode, o sonho incabível quebrou no meu peito. E tudo se foi. Mas ela ficou. E conto outro dia o resto da história.
Meu velho, onde estás? Não vejo teu vulto. Só sinto nas trevas um sopro que passa. E olho estas páginas. Onde, te foste ocultar? Do amarelo das folhas, saía uma voz. Perdia-se ao longe, sem eco nem nada.
E vi o que não era. Nem voz, nem imagem, nem brancos cabelos, nem sala, nem nada. E eu olho nas folhas. No amarelo do tempo. Eu não te conheço, nem nuca te vi. Mas como te vejo no sebo do livro, no livro do sebo, que trouxe pra mim, tua voz, teu afeto. E sofro, sozinho, com ganas de ver-te. Quem dera poder-te de novo te ouvir! E as falas de longe que escuto na noite? E a voz de teu sonho, escondida na alma, falou-me por ora. Quem sabe, do sonho, em vias estranhas, escute outra vez essa fala sem voz, que a alma recebe e o corpo não vê?
Que pena que sejas apenas a mancha que marca na página o tempo que foi. Fala mais dela. Conta outros sonhos que a sina cortou. Fala, que eu ouço, meu velho, meu sogro. Jamais tu me viste, nem vi o teu rosto. Mas andas comigo, por todos os cantos. E diz do teu sonho que eu faço ocorrer.


segunda-feira, 22 de junho de 2015

3 perguntas para Oscar Brisolara - O Peixeiro - Jornal Agora

O PAPA NEGRO - BLACK POPE

     Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
       
Padre Adolfo Nicolás Pachón
 Quando se fala em Papa Negro, não nos estamos referindo à cor da pele. Desde há muito, o Superior Geral da Ordem Jesuítica é conhecido como Papa Negro. Quando se interrogam os interessados sobre a origem dessa designação, eles afirmam que o nome se dá em razão da batina e das vestes negras dos jesuítas. Sabe-se, porém, que essa designação, historicamente, provém de razões bem distintas e de fatos de origem bem distante. Atribuem-se a esse mandatário poderes ocultos sobre os papas e mesmo sobre toda a estrutura eclesiástica católica. Alguns creem mesmo que esses poderes ultrapassam de longe o âmbito da religião.
Desde o início século XIII, com a fundação da Ordem Dominicana, também conhecida como Ordem dos Pregadores, pelo frade espanhol Domingos de Gusmão, em Toulouse, na França, esteve ao encargo dessa congregação religiosa uma espécie de patrulhamento mundial da Igreja, através do Santo Ofício, que ficou universalmente conhecido como sagrada inquisição.
Com a eleição do cardeal Ugolino de Anagni, em 1227, como Papa Gregório IX, o qual era amigo pessoal de Domingos, foi criado o Santo Ofício, cuja operação ficou ao encargo de sua Ordem dos Pregadores. A função de Santo Ofício era organizar tribunais da Igreja Católica, para julgar e punir pessoas acusadas de se desviar de suas normas de conduta. Os exageros que cometeram esses juízes no exercício de suas funções, foi a razão de serem denominados de Domini canes, ou seja, cães do Senhor.
Desde esse tempo, os frades, que usavam batina branca e preta, passaram a ter um poder enorme dentro da estrutura da Igreja Católica, julgando, condenando e mantendo a ordem na instituição até as primeiras décadas do século XVI, muitas vezes com julgamentos arbitrários, marcados por interesses de reis e papas. Com o surgimento da Reforma Luterana, houve uma forte ameaça ao poder da Igreja.
Surge, então, outra personagem importante no seio da fé católica. Tratava-se de Ignácio de Loyola, outro espanhol, com formação e relações militares. Quando os dominicanos tentavam inibir sua ação, o Papa de então, Paulo III, declara Loyola intocável, livrando-o da ação do Santo Ofício.
Realiza-se, a seguir, o Concílio de Trento, que confere à Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Ignácio, o encargo da sucessão na Igreja e a organização dos poderes temporais da instituição nesse momento. Loyola organiza as milícias papais para combater os insurgentes. Ferido em combate, ele chega à conclusão que a forma mais eficaz de lutar contra o protestantismo seria a criação de escolas, vencendo-os pelas ideias e pela educação. Surge, dessa forma, gradativamente, a grande rede de escolas dos jesuítas. 
Querem, então, alguns que, desde esse momento, os jesuítas tenham-se imiscuindo cada vez mais no poder religioso do Vaticano, chegando a um domínio total da instituição. A expressão “Papa Negro” provém dessa concepção. Seria o Superior Geral da Ordem Jesuítica o mandante escuso por trás de toda a atividade do Vaticano, daí um sentido pejorativo desse adjetivo “negro”, muito além da simples cor de sua batina. Hoje, é o padre espanhol, que vivia desde 1964 no Japão, Adolfo Nicolás Pachón, quem ocupa esse cargo. A função é vitalícia, porém, como ocorreu com o Papa Bento XVI, seu antecessor, o padre Peter Hans Kolvenbach, eleito em 1983, renunciou renunciou em 2008. O padre Nicolás já anunciou que, em 2106, convocará uma assembleia geral da Ordem, ocasião em que promoverá novas eleições e renunciará a seu cargo. O mandato se dá por eleição de seus confrades jesuítas. 
Mais ainda, há os que creem que a própria organização conhecida como illuminati, uma suposta ordem secreta universal, responsável por conspiração de toda ordem, que estaria por trás de tudo, desde os governos até todo o tipo de grande empreendimento, responsável por interesses escusos de ordem econômica, política e de poder de um modo geral, seria uma criação jesuítica e que ainda hoje estaria sob a supervisão da Companhia de Jesus.
Essa instituição teria fugido ao controle religioso, tendo-se tornado um organismo ateu, de modelo pagão. Atuaria na política de um modo geral, buscando o que se chama hoje de Nova Era através de uma Nova Ordem Mundial.
Sob seu controle estaria toda a produção, toda a política mundial, em todos os ramos. Assim, os esportes e seus modelos de disputa; as indústrias, toda a ciência e tecnologia dela proveniente; a moda, suas cores e modelos; as obras de arte e os artistas a serem valorizados; o cinema, o teatro e todos os artistas; os moldes literários e seus autores a serem promovidos, enfim tudo o que se come, consome e usa; tudo, tudo, completamente tudo estaria sob o controle desse órgão superior a todos os poderes, que agiria no mundo, através da moderna tecnologia, como o olho que tudo vê e controla. É possível isso a uma única instituição?



Statue of David returns to Italy after 3 years in the USA


domingo, 21 de junho de 2015

FRANCISCO, O PONTÍFICE SUL-AMERICANO, SERIA O ÚLTIMO PAPA? PROFECIAS DE SÃO MALAQUIAS E NOSTRADAMUS

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Vaticano
Em todos os tempos, houve os pregoeiros da catástrofe e do fim do mundo. Hoje, não é diferente. Com a presença de um novo Papa, não pelo fato de ser novo, mas pela simples razão de originar-se de uma região de menos projeção nos parâmetros de relevância do mundo contemporâneo, voltam especulações dessa natureza.
Contribui para essas previsões a existência de poderosos conflitos de interesses políticos, com mudanças dos centros de poder, enfraquecimento de algumas lideranças e surgimento ou ressurgimento de novos polos de comando mundial. Aliam-se a isso as secretas e insondáveis criações da ciência, que põem nas mãos dos dirigentes das nações armamentos de poder destrutivo incalculável.
Oscar Brisolara - frade - aos 18 anos

Some-se a essa situação a realidade ambiental que manifesta mudanças alarmantes no que diz respeito às catástrofes climáticas e às graves mutações biológicas resultantes do emprego descontrolado de elementos químicos e biológicos, cujos efeitos apenas começamos a perceber nos seres vivos e na natureza. Tudo isso produz o ambiente propício para a acolhida de previsões catastróficas de todas as naturezas.
Pois, nesse contexto, retornam as velhas profecias de um passado distante, que sempre povoaram o imaginário popular. Primeiramente, as profecias de são Malaquias, bispo irlandês do século XII e monge de Pádua. Em 1139, numa visão, teria recebido uma lista de frases em latim, que caracterizariam cada um dos papas que se seguiriam.



São Malaquias



Vejam-se algumas especulações sobre papas recentes em relação às profecias de são Malaquias. O Papa João XXIII, de número 107 na contagem após são Malaquias, era descrito pela frase latina: Pastor et nauta. (Pastor e marinheiro.) A interpretação que se faz da frase é que esse pontífice fora, em 1958, Patriarca de Veneza, cidade marítima.
Pelas mesmas profecias, João Paulo II, o Papa de número 110, seria descrito como: De labore solis. (Sobre o trabalho do so, ou sejam, as eclipses.) Ora, esse papa nasceu durante uma eclipse solar e foi sepultado em outra.
Já Bento XVI, o Papa de número 111, é descrito por são Malaquias com a seguinte frase latina: De gloria olivae. (Sobre a glória das oliveiras.) O nome Bento remete à ordem beneditina, que usava como símbolo um ramo de oliveira.
Por fim, sobre o Papa Francisco, o Papa de número 112, o último da lista de Malaquias, o profeta irlandês afirma: “Na perseguição final à sagrada Igreja Romana, reinará Pedro Romano, que alimentará seu rebanho entre muitas turbulências, sendo que então, a cidade das sete colinas (Roma) será destruída e o formidável juiz julgará seu povo.”
O Papa não é Pedro, nem escolheu o nome de Pedro II, conforme a profecia. Porém, explicam os intérpretes: São Francisco, santo em homenagem do qual o Papa escolheu seu nome, chamava-se Giovanni di Pietro di Bernardone. São Francisco era romano, pois pertencia ao Sacro Império Romano Germânico, a que estava circunscrita toda a Itália em seua época.
Nostradamus

Depois, vêm as revelações de Nostradamus, médico e mestre da alquimia francesa do século XVI. Afirmou ele: “Um rei negro no trono do Vaticano será o último antes do Apocalipse. A princípio, haverá doenças letais como advertência. Depois, surgirão as pragas, morrerão muitos animais, catástrofes acontecerão, mudanças climáticas e, finalmente, começarão as guerras e invasões do rei negro.”
Francisco, o 112º dos papas, será o último, segundo são Malaquias. Veja-se sua relação com o rei negro. Ele é da Ordem dos Jesuítas (IHS - Iesus Hominum Salvator – Jesus Salvador dos Homens). O chefe vitalício da Ordem Jesuítica é conhecido como Papa Negro, devido a sua batina negra e mais do que isso, em função de uma velha crença de que o Geral dos Jesuítas teria um secreto poder sobre o papado e sobre a \igreja em geral, estando por trás de toda a política universal católica e teriam a seu encargo a Ordem dos Cavaleiros de Malta, sociedade secreta, sob cujo encargo estariam secretas ações pelo mundo todo, muitas vezes de natureza escusa e até mesmo criminosa.
Estaríamos nós às vésperas do Juízo Final tão bem representado por Michelangelo na Capela Sistina, do Vaticano, onde, por sinal, são escolhidos e eleitos os papas?
Roma - Capela Sistina - Juízo Final






Contribuem para estas profecias as palavras do próprio Papa atual ao saber de sua escolha para o pontificado: “Os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo para me encontrar.” E são Malaquias, ao falar do último pontífice, afirma: “O último Papa chegará de uma terra distante para encontrar tribulação e morte.” É preciso recordar que as profecias de são Malaquias foram escritas em 1139, mas somente foram publicadas por um monge de Pádua que as encontrou séculos mais tarde, tendo sido difundidas a partir de uma edição de 1527, quando a América do Sul, terra do Papa Francisco, estava apenas sendo descoberta pelos europeus.

sábado, 20 de junho de 2015

AFRODITE E VÊNUS, AS DIVINDADES DO AMOR , DA SEXUALIDADE E DA BELEZA FEMININA - MITOLOGIA GREGA E ROMANA –




Afrodite de Cnido, de Praxíteles,
cópia do século IV a.C.
AFRODITE - Na mitologia grega, há uma plêiade de divindades que abarcam todas as funções humanas. Quando os romanos entraram em contado com a cultura grega, a partir da tomada de Tarento, colônia grega ao sul da Itália, no século III a. C., receberam forte influência desses helenos.
A Grécia era conhecida como Hélade (Ἑλλάς), e congregava uma série de cidades-estados que se distribuíam desde o atual território grego, passando pelas ilhas do Mediterrâneo que circundam o país, e atingindo, no auge de suas conquistas, vastas regiões do Oriente próximo e norte da África.
Pois os helenos (Έλένοι), como eram conhecidos os gregos, construíram um rico conjunto de mitos, como nos apresenta brevemente o poeta Hesíodo em sua Teogonia ou Genealogia dos Deuses, datada do século VIII a. C.
Desse conjunto de divindades, fazia parte Afrodite (Ἀφροδίτη), divindade do amor, da beleza e da sexualidade. Segundo Hesíodo, seu nome provém do termo grego aphros (ἀφρός), espuma. Trata-se do mito segundo o qual Cronos, ao derrotar seu pai Uranos, ter-lhe-ia cortado o saco escrotal e jogado ao mar. Da espuma aí surgida, ergueu-se Afrodite.
Devido à beleza da nova deusa, temia-se no Olimpo, que adviesse um desentendimento entre os deuses que desejariam cortejá-la. Desposou ela então Hefesto ( Ήφαιστος), deus ferreiro, forjador das armas e da tecnologia de então, porém, portador de um defeito físico que o tornava manco.  Era filho de Zeus e Hera. Essa escolha pacificava o Olimpo.
Já nas ruínas de Pompéia, encontra-se uma parede com um afresco representando Vênus, a versão romana de Afrodite, como divindade do amor e da sexualidade.
Afresco da Deusa Vênus - afresco nas ruínas de Pompeia

Afrodite, no entanto, pela solidão em que Hefesto a deixava, pelas constantes atividades em sua forja, foi uma esposa infiel, tendo procurado a paixão de deuses, semideuses e homens, de cujos relacionamentos nasceram filhos famosos. É o caso de Hermafrodita, que gerou com Hermes, o mensageiro dos deuses.
VÊNUS CALIPÍGIA DO MUSEU DE NÁPOLIS -
SEGUNDO SE AFIRMA, ENCONTRAVA-SE
NA DOMUS ÁUREA DE NERO.
VÊNUS – No panteão romano, aparece a deusa Vênus, que corresponde à Afrodite grega e gera muitas confusões nas leituras literárias. Na versão romana mais divulgada, seria filha de Júpiter, o supremo deus da mitologia romana, equivalente a Zeus, e sua mãe seria a deusa Dione. Seria casada com Vulcano, equivalente a Hefesto da mitologia grega.
Os romanos consideravam-se descendentes da deusa Vênus, pois Eneias, herói troiano que deu origem a Rômulo, o fundador mítico da raça romana, era filho de Vênus com o mortal Anquises.
Segundo uma tradição muito antiga, Afrodite na cultura grega e Vênus na cultura latina seriam os modelos de beleza feminina, cujos moldes serviram depois à arte renascentista.
Vênus de Milos - Louvre - Paris -
Aphrodite of  Milos
Afrodite e Vênus recebiam também o nome de Afrodite Calipígia ou Vênus Calipígia, ou seja, das belas nádegas. Representavam uma estátua feminina completamente vestida que levantava o manto para mostrar a parte traseira, suas nádegas desnudas.  Atribui-se essas estátuas a um costume das jovens de Siracusa que, segundo uma tradição, teriam o hábito de comparar suas nádegas para ver qual a \seria a mais perfeita.


 Durante os séculos, artistas de muitos movimentos estéticos reproduziram Afrodite e Vênus em suas obras, realizando maravilhas em todos os estilos. Houve alguns deles que reproduziram a imagem de suas amadas sob a forma da divindade clássica do amor e da sexualidade.
Um exemplo famoso é "O Nascimento de Vênus",  uma pintura de Sandro Botticelli, encomendada por Lorenzo di Pierfrancesco de Medici para a sua Villa Medicea di Castello, também conhecida como Villa Reale, ou Villa l'Olmo, ou ainda Villa Il Vivaio, situada ba região montanhosa de Castello, nas proximidades de Florença.
A pintura representa a deusa romana Vênus emergindo da espuma do mar,  já mulher adulta e perfeita, conforme descrito na mitologia clássica. Provavelmente, a obra tenha sido criada em 1485, sob encomenda, para Lorenzo de Meidici, com o fim de ornar sua residência. Alguns estudiosos creem que a Vênus pintada para Pierfrancesco tenha sido outra, que não a obra exposta em Florença e estaria perdida até o momento.
Há os que afirmam ter sido esta obra uma homenagem ao amor de Juliano de Medici (que morreu em 1478), que viveu em Portovenere, uma cidadela à beira-mar. Qualquer que tenha sido a inspiração do artista, parece haver influências de obras literárias importantes como "As Metamorfoses/" e os "Fasti" do poeta romano Ovídio, que abordam o mito.
Sandro Botticelli - La nascita di Venere - Galleria degli Uffizi - Florença
Outra pintura de renome, representando a deusa romana do amor, é a obra renascentista de Tiziano, pintada  em 1538, em óleo sobre tela. Exibe a desa Vênus nua, deitada sobre um leito suntuoso. Também se encontra na Galleria degli Uffizi, em Florença.
Vênus de Urbino - Ticiano


Ainda representou o Nascimento de Vênus, com grande maestria, o pintor francês Jean-Auguste Dominique Ingres,  em obra conhecida como Vênus Anadriômene, imitando o quadro do pintor grego Apeles, já desaparecido, mas descrito na obra de Plínio, o Velho, em sua Naturalis Historiae.

Ingres - Venere Anadiomene

O ilustre pintor francês William Bouguereau também homenageou a deusa com uma tela. A pintura é uma representação clássica do nascimento da deusa romana do amor e da beleza. O seu autor, arquétipo da pintura acadêmica francesa, presta com a obra uma homenagem à v
Vênus de Sandro Botticelli, ao Triunfo de Galateia de Rafael e à Vênus Anadiômene, de Jean-Auguste-Dominique Ingres. A deusa, com sua pele de porcelana e os cabelos esvoaçantes, emerge de uma concha, rodeada de tritões admirados, ninfas marinhas e querubins. Vênus, no entanto, foi apenas um pretexto para criar um nu voluptuoso e idealizado.



O Nascimento de Vênus - William Bouguereau - 1879


Outro mestre da arte francesa que pintou Vênus foi Alexandre Cabanel, representante do Neoclassicismo Acadêmico. Dedicou-se a assuntos históricos, mitológicos e religiosos. Foi também autor de retratos, paisagens e composições decorativas. Excelente aquarelista. Veja-se sua representação do Nascimento de Vênus:

Alexandre Cabanel -The Birth of Venus 1863


Também o pintor brasileiro Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, mais conhecido como Di Cavalcanti, que, além de pintor, foi  caricaturista e ilustrador,  pintou um quado sobre o nascimento de Vênus. Ele nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 6 de setembro de 1897 e faleceu em 26 de outubro de 1976. Foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, expondo 11 obras de arte e elaborando a capa do catálogo. Seu estilo artístico é marcado pela influência do expressionismo, cubismo e dos muralistas mexicanos (Diego Rivera, por exemplo). Abordou temas tipicamente brasileiros como, por exemplo, o samba. Em suas obras são comuns também, os temas sociais do Brasil (festas populares, operários, as favelas, protestos sociais, etc). O MAC possui em seu acervo, além de pinturas, uma série de mais de 500 desenhos, que cobrem o período que vai da década de 20 até o ano de 1952: grafites, aquarelas, guaches e nanquins, generosamente doados pelo artista. O quadro "O Nascimento de Vênus" de Di Cavalcanti, é uma releitura da obra de Sandro Botticelli, o qual apresenta a deusa Vênus da mitologia grega, porém em circunstâncias e contextos distintos. Com isso, nota-se que existem alguns aspectos parecidos,como, por exemplo, as formas que as supostas deusas localizam suas mãos, e ao fundo da obra aparece o mar, como um símbolo do tropicalismo brasileiro. A obra foi pintada em 1940, com 54 cm de altura e 65 cm de largura. É uma peça de tinta à óleo sobre tela.
O Nascimento de Vênus de Di Cavalcanti
Três pinturas ilustres representam Vênus diante do espelho. A primeira é do pintor renascentista italiano Ticiano.
Vênus do Espelho - TICIANO 1555 -


Outro pintor que representa Vênus no Espelho é Diego Velazquez, artista espanhol, que produz seu quadro entre 1647 e 1651, cuja obra se encontra na National Gallery, em Londres.


Velazquez - Vênus no Espelho

O terceiro pintor a reproduzir a deusa romana ao espelho é Peter Paul Rubens, que, em 1614–15, mostra a divindade com o seu cabelo tradicionalmente louro. Como a Vênus de Velázquez, a imagem refletida da deusa não encaixa essa porção da sua face visível sobre a tela. Em contraste com a bela e arredondada forma ideal de Rubens, Velázquez pintou uma figura feminina mais delgada.
Rubens - Venus at a Mirror - 1615

Outros pintores têm representado a divindade do amor junto a outras personagens, como é o caso da representação de Vênus em companhia de Adônis, belíssimo jovem, que nascera do amor incestuoso entre seu pai, o rei Ciniras, de Chipre e a própria filha Mirra. Por ele, apaixonaram-se as deusas Afrodite e Perséfone. Quadro de Ticiano.
Vênus e Adônis, Ticiano (1560) Venus and Adonis by Titian

O pintor francês François Lemoyne também pintou um quadro representando Vênus e Adônis. Progressivamente, suas composições para os conjuntos decorativos de Versalhes e igrejas parisienses revelam obras progressivamente mais claras e uma palheta mais definida, seguindo o modelo Rococó.
Venus and Adonis. Francois Lemoyne 
Também é famosa a obra do pintor François Boucher, representando Vênus consolando Eros. Embora tendo vivido no século XVIII, dominado pelo Barroco, dedicou-se ao estilo Rococó, que é o Barroco levado ao exagero, próprio da arte francesa do período das luzes. Reproduz o triângulo amoroso que ocorre em uma floresta profunda. Uma estátua de Vênus, estando em grande solidão, desenvolve um cérebro humano. É inverno, neva e no final, quando o gelo derrete no rio, à medida que a primavera chega, David e Eros, passeiam pelos campos contíguos à floresta. Vênus apaixona-se perdidamente por David. Durante um sonho Vênus torna-se humana e percebe David também a ama. Eros enche-se de ciúmes e é consolado por Vênus.

 
Vênus Consolando Eros, Venus Consoling Love, François Boucher, 1751.

Além dos pintores, também os escultores dedicaram-se à representação de Afrodite e Vênus, como se pode constatar nas primeiras imagens deste trabalho. Houve a multiplicação de muitas estátuas dessas deusas por toda parte. Veja-se a imagem abaixo:



Afrodite Calipígia - Museu de Nápoles
Abaixo, a imagem de Afrodite de Cápua, que se encontra também no Museu de Nápoles.




Abaixo, uma estátua de Vênus Calipígia do Louvre, já da arte Barroca de 1863 - escultura de François Barrois.


Vênus (Afrodite) e Amor (Eros), por Theodor Heinrich Bäumer, 1886. DRESDEN.







Afrodite de Cynidian, cópia romana em mármore(tronco e coxas), com cabeça restaurada, braços, pernas e cortinas de apoio, modestamente, protegendo seus órgãos genitais com a mão direita. A original, era uma das mais famosas obras do antigo Praxíteles, escultor grego de Atenas (século 4  a. C). Tanto a original como as suas cópias são muitas vezes referidas como a Pudica Vênus (Venus modesta), por conta de sua mão direita cobrir a virilha e a genitália.

Museu Louvre/Paris
O importante escultor italiano Antonio Canova representou Vênus de diversas maneiras. Uma dessas imagens é a que reproduz Pauline Bonaparte Borghese, irmã mais jovem de Napoeleão, como Venus Vitrix, hoje fazendo parte do famoso museu de Roma, conhecido como Galleria Borghese.

Pauline Bonaparte as VenusVictrix

Antonio Canova (1757-1822) era arquiteto e antiquário, mas é mais lembrado como escultor. Foi um dos mais importantes reprodutores da arte clássica grega e romana. Vênus foi uma das divindades a quem consagrou diversas de suas obras. Veja-se sua escultura abaixo, representando Vênus e Marte:

Antonio Canova - Vênus e Marte

Outra de suas obras primas, representando a deusa do amor, da beleza e sexualidade é a Vênus Itálica.

Antonio Canova - Vênus Itálica.
Muitíssimos artistas dedicaram seus trabalhos às duas deusas, que se confundem em uma única divindade, expressando a beleza, a feminilidade, os encantos feminis. Tantos são, que aqui trazemos apenas uma pálida imagem dessa produção. A nudez, a beleza do traço, a candura estão dissiminados por muitíssimos museus e casas de cultura distruídos por tudo o mundo. 

MITOLOGIA GREGA E ROMANA – 
AFRODITE - Na mitologia grega, há uma plêiade de divindades que abarcam todas as funções humanas. Quando os romanos entraram em contado com a cultura grega, a partir da tomada de Tarento, colônia grega ao sul da Itália, no século III a. C., receberam forte influência desses helenos.
A Grécia era conhecida como Hélade (Ἑλλάς), e congregava uma série de cidades-estados que se distribuíam desde o atual território grego, passando pelas ilhas do Mediterrâneo que circundam a Grécia, e atingindo, no auge de suas conquistas, vastas regiões do Oriente próximo e norte da África.
Pois os helenos (Έλένοι), como eram conhecidos os gregos, construíram um rico conjunto de mitos, como nos apresenta brevemente o poeta Hesíodo em sua Teogonia ou Genealogia dos Deuses, datada do século VIII a. C.
Desse conjunto de divindades fazia parte Afrodite (Ἀφροδίτη), divindade do amor, da beleza e da sexualidade. Segundo Hesíodo, seu nome provém do termo grego aphros (ἀφρός), espuma. Trata-se do mito segundo o qual Cronos, ao derrotar seu pai Uranos, ter-lhe-ia cortado o saco escrotal e jogado ao mar. Da espuma aí surgida, ergueu-se Afrodite.
Devido à beleza da nova deusa, temia-se no Olimpo, que adviesse um desentendimento entre os deuses que desejariam cortejá-la. Desposou ela então Hefesto ( Ήφαιστος), deus ferreiro, forjador das armas e da tecnologia de então, porém, portador de um defeito físico que o tornava manco.  Era filho de Zeus e Hera.
Afrodite, no entanto, pela solidão em que Hefesto a deixava, pelas constantes atividades em sua forja, foi uma esposa infiel, tendo procurado a paixão de deuses, semideuses e homens, de cujos relacionamentos nasceram filhos famosos. É o caso de Hermafrodita, que gerou com Hermes, o mensageiro dos deuses.
VÊNUS – No panteão romano, aparece a deusa Vênus, que corresponde à Afrodite grega e gera muitas confusões nas leituras literárias. Na versão romana mais divulgada, seria filha de Júpiter, o supremo deus da mitologia romana, equivalente a Zeus, e sua mãe seria a deusa Dione. Seria casada com Vulcano, equivalente a Hefesto da mitologia grega.
Os romanos consideravam-se descendentes da deusa Vênus, pois Eneias, herói troiano que deu origem a Rômulo, o fundador mítico da raça romana, era filho de Vênus com o mortal Anquises.
Segundo uma tradição muito antiga, Afrodite na cultura grega e Vênus na cultura latina seriam os modelos de beleza feminina, cujos moldes serviram depois à arte renascentista.
Nas artes, desde a antiguidade, tanto Afrodite quanto Vênus foram representadas, de modo especial nas artes plásticas como a escultura e a pintura. Também na literatura e na música há uma presença constante de ambas as deusas, muitas vezes até mesmo confundidas uma com a outra. É comum falar-se em Vênus de Milos, quando o mais adequado seria falar-se em Afrodite de Milos. Milos (Μήλος) é uma ilha do Mediterrâneo, no mar Egeu. É famosa por aí haver sido encontrada uma estátua de Afrodite, com 2m de altura, com os braços decepados, que hoje se encontra no Museu do Louvre, em Paris.
Havia, na Grécia antiga, algumas estátuas de Afrodite conhecidas como Afrodite Calipígia (Ἀφροδίτη Καλλίπυγος), ou seja, das belas nádegas. Representavam uma estátua feminina completamente vestida que levantava o manto para mostrar a parte traseira, suas nádegas desnudas.  Atribui-se essas estátuas a um costume das jovens de Siracusa que, segundo uma tradição, teriam o hábito de comparar suas nádegas para ver qual a mais perfeita.



sexta-feira, 19 de junho de 2015

DAS MINHAS LEITURAS DE INFÂNCIA -

Ainda na minha infância, ouvi muitas vezes minha mãe declamando este poema parnasiano do Raimundo Correia. De tanto ouvi-lo, acabei por decorá-lo. Faz parte de um tipo de poema de tom moralizante ao modo de muitos poetas de então. Ele precisa ser entendido de acordo com o espírito daquela época.  Do "zeitgeist", espírito daquele tempo, diriam os alemães. Para entendê-lo, procure transportar-se para o espírito do receptor desse período da história.

A abelha e a formiga (Raimundo Correia)

Na pétala perfumada
De linda rosa vermelha,
Travaram prosa animada
Uma formiga e uma abelha.

“Conversam.” Diz a formiga:
“Como somos diferentes!
Quão diversos são, amiga,
Os destinos dos viventes.

Enquanto das estimadas
Abelhas se faz cultura,
As formigas maltratadas
São da humana criatura

Ao extermínio votadas!
Para nós outras – a morte!
E vós? Vós sois procuradas,
Desigualdades da sorte.”

Responde a abelha zumbindo
As asas: “É que viveis,
Roças, campos destruindo;
Sem razão, não vos queixeis!

Não fazeis senão o mal.
Nós prestamos bom serviço
À indústria nacional...
Somos queridas por isso.

Adejando pelos ramos,
Entre boninas e rosas,
O doce mel fabricamos.
Somos úteis, proveitosas!”

E termina a abelha assim,
Voando para a colmeia:
Cada um - diz velho anexim -
Colhe conforme semeia.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

MINHA ALFABETIZAÇÃO PARA A LEITURA DA VIDA

Eu fui alfabetizado lá no interior, sem a tecnologia das cartilhas, que não se sabia o que era. Tínhamos apenas um livro: "Seleta em Prosa e Verso", de Alfredo Clemente Pinto. E tudo líamos ali. E tudo dali aprendíamos. E eu lia, relia e treslia sempre as mesmas coisas. Foi dali que aprendi amar alguns textos e poemas como o que apresento a seguir.Ainda o sei de cor, o que, por sinal, significa saber de coração. Amar, portanto. Veja o poema de Bulhão Pato:

O REI E O SAPATEIRO

Era uma vez... quando foi
Eu bem ao certo não sei!
Porém sei que era uma vez
Um sapateiro e um rei.

Olha, Helena, o sapateiro
Era um pobre remendão,
Casado e com quatro filhos,
Que vivia quase sem pão.

No recanto de uma escada
Noite e dia trabalhava,
E por alívio de máguas,
Esta cantiga cantava:

"Ribeiros correm aos rios,
Os rios correm ao mar;
São tudo leis deste mundo
Que ninguém pode atalhar:
Quem nasce para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar!"

O rei tinha montes d'ouro
E joias em profusão,
E tinha mais que ouro e joias,
Pois tinha um bom coração.

Em vendo um pobre, acudia-lhe
Sem que o soubesse ninguém,
Que assim quer Deus que se faça.
E assim o faz tua mãe.

Por muitas vezes saía
Sem criados de libré,
E sosinho e disfarçado
Corria a cidade a pé.

Na rua do sapateiro
Passa o rei e ouve cantar:
"Quem nasce para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar."

Isto uma vez e mais de uma
com voz que o pranto cortava,
E o rei condoeu-se d'alma
Do velho que assim cantava.

Chegado ao palácio ordena
Que lhe arranje o seu copeiro
Um bolo, do melhorio,
E que o mande ao sapateiro.

No melhorio do bolo
E' que estava o delicado,
Pois era de peças d'ouro
Todo, todo recheado.

Os pequenos, quando o viram,
Helena, imagina então,
Os olhos que lhe deitaram
Elles que nem tinham pão!...

Mas o pai a um seu compadre,
Que às vezes o soccorria,
Foi dar de presente o bolo,
Sem ver o que nelle havia!

No dia seguinte o rei
Torna de novo a passar,
E com grande espanto seu
Ouve ainda o velho cantar;

"Ribeiros correm aos rios,
Os rios correm ao mar;
São tudo leis deste mundo
Que ninguem pode atalhar:
Quem nasce para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar!"

Mandou-o chamar ao palácio,
E agastado então o rei
Lhe diz: " Que é das peças d'ouro
Que no bolo te mandei?"

O pobre do sapateiro
Tremendo conta a verdade:
Abalou-se novamente
O rei na sua piedade.

"Toma esta saca", lhe diz,
"Ao erario vai daqui
Enchê-la de peças de ouro,
Que as peças são para ti."

Oh! Helena, suppõe tu
Qual foi a sua alegria,
Vendo que um thesouro aos filhos
Naquella saca traria!...

Encheu-a a mais não poder,
Pô-la às costas e partiu;
Deu quatro passos...nem tantos,
E nisto morto caíu!...

Na mão direita lhe acharam
Um papel onde se lia
Esta sentença, que o povo
Ser sobrehumana dizia:

"Eu para pobre o criei,
Tu rico fazê-lo queres;
Agora alli o tens morto:
Dá-lhe a vida, si puderes."

Bulhão Pato.

sábado, 13 de junho de 2015

BRISE MARINE - Stéphane Mallarmé

(Mallarmé, poeta simbolista francês, modificou a poesia da segunda metade do século XIX. Buscava mais o símbolo para expressar sua verdade, sugerindo muito mais do que narrando. )

La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les
[ livres.
Fuir! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont
[ ivres
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux!
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retriendra ce coeur qui dans la mer se
[ trempe
O nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Lève l´ancre pour une exotique nature!

Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l´adieu suprême des mouchoirs!
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages
Sont-ils de ceux qu´un vent penche sur les
[ naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des
[ matelots!

Brisa Marinha

Tradução: Augusto de Campos

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus
[ imensos.
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração de submergir no mar
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio,
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,
Ergue a âncora em prol das mais estranhas
[ plagas!

Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem
[ mas-
Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar...
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do
[ mar!