terça-feira, 2 de setembro de 2014

OVÍDIO – O POETA QUE MORREU NO EXÍLIO – LITERATURA LATINA CLÁSSICA


ROMA - CAPITÓLIO - LA CORDONATA

"Escuta, preceptor do amor libertino:
Conduz os teus alunos ao meu templo.
Verão eles ali uma inscrição 
cuja fama aos confins do universo 
levou este conselho: Conhece-te a ti mesmo.
Só o homem que a fundo se conheça
pode amar sabiamente
porque é em relação às próprias forças 
que mede cada empresa." 
Ovídio- Arte de amar

O primeiro século da era cristã foi o período mais fecundo da literatura latina. Gerou os três poetas mais importantes de toda a cultura romana: Virgílio, Horácio e Ovídio.

Politicamente, a personagem mais destacada nesse período é o imperador Augusto. Nascido Gaius Octavius Thurinus, passando a ser Gaius Iulius Caesar Octavianus, ao ser adotado por seu tio-avô Gaius Iulius Caesar, finalmente, tornou-se o primeiro imperador romano, adotando o título de Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus.

Pois o papel de Augusto na literatura foi de fundamental importância. No início de sua administração de quase cinquenta anos, nomeia seu ministro da cultura Gaius Cilnius Mecenas, homem de vasta cultura e de grandes posses. Esse ilustre cidadão instituiu o costume de os homens ilustres e ricos manterem a suas expensas os artistas. Augusto, para prestigiar o mecenato, adotou o poeta Virgílio.

Acontece que os poderosos patrocinam, mas fazem suas exigências. Virgílio, apesar de genial, foi um lacaio de Augusto. Primeiramente o poeta mantuano escreve suas Geórgicas, colaborando com a campanha de levar ao campo os soldados desmobilizados das campanhas militares. Por fim, em sua magistral obra Aeneis, Eneida, a grande obra épica dos romanos, inclui uma árvore genealógica da família dos césares, que vai permitir a Augusto de intitular-se divino.

Horácio era detentor de tamanho renome que escreveu uma obra criticando seus patrocinadores, Littera ad Pisones (Carta aos Pisões), conhecida como Arte Poética, pois constitui-se um conjunto de normas para a criação literária.

Ora, Ovídio, o mais inspirado de todos os poetas romanos e o mais precioso deles, não se submete ao falso moralismo do imperador. O cruel Augusto, que não perdoaria as próprias filha e neta do exílio, jamais se apiedaria de um simples poeta. E exilou-o no Oriente Médio, a uma distância impossível de retorno nesse tempo.

POETA OVÍDIO
Era o início da nossa era. Um édito de Augusto bane para sempre da grandiosa Roma o seu poeta mais genial, cujos versos amorosos encantavam a todos, especialmente a juventude. Porém, era, por outro lado, poeta de vasta cultura que escreveu As Metamorfoses, o poema tratado, o mais completo estudo das mitologias grega e romana produzido por escritor de seu tempo.

Veja o que diz dele e sua obra o poeta e crítico brasileiro José Paulo Paes, em artigo na Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs190110.htm.

No ano 8 da nossa era, um édito imperial baniu para sempre de Roma o seu poeta mais festejado, aquele cujos versos galantes eram cantados em festins, rabiscados nos muros das encruzilhadas e pintados nas paredes das casas de Pompéia. Está-se falando de Públio Ovídio Nasão, autor da ``Arte de Amar'' e das ``Metamorfoses'', e último grande poeta da época de Augusto. Ele foi contemporâneo de Virgílio, Propércio, Horácio e Tibulo, e seu desaparecimento, no ano 17 d.C., assinalou o fim dessa época de ouro da literatura latina.

Ovídio morreu desterrado em Tomos, uma vila à beira do mar Negro ou Ponto Euxino, no local onde hoje se ergue a cidade de Constanza, na Rumânia. Àquela época, era uma região totalmente inóspita, de longos e rigorosos invernos, habitada por bárbaros getas e sármatas que viviam em pé de guerra contra os dominadores romanos. Longe dos belos jardins da sua mansão de Roma, afastado para sempre do aconchego de seus familiares e amigos da alta roda, o poeta lá viveu os seus últimos anos, encurtados pelas privações e provações de um modo de vida primitivo que não tardou a lhe combalir a saúde.

Até hoje permanecem obscuras as verdadeiras causas que levaram Augusto a exilar para os confins do império um poeta a quem vinha distinguindo com os seus favores e a quem acolhia em seu palácio. O pretexto para o intempestivo édito de banimento teria sido a imoralidade da "Arte de Amar", cujos conselhos de sedução amorosa induziriam seus leitores ao adultério. Isso num momento em que o todo-poderoso imperador de Roma estava empenhado, baldadamente embora, em moralizar os costumes do patriciado.

Como a "Arte" já circulava havia vários anos e não era mais imoral que outras obras livremente lidas naqueles tempos de relaxamento, aventaram-se razões agravantes para o édito. Uma delas seria Ovídio ter acobertado os amores clandestinos de uma neta do imperador, que acabou sendo também exilada pelo avô. Outra seria a malevolência de Lívia, esposa de Augusto, contra o poeta, por ele estar ligado a um círculo palaciano contrário a Tibério, filho do primeiro casamento de Lívia, a qual ambicionava para ele o trono do império.

Fossem quais fossem as razões do rancor de Augusto contra Ovídio, o certo é que nem as reiteradas súplicas do poeta, nem as de sua mulher ou de amigos seus influentes, conseguiram induzi-lo a revogar o édito ou mudar para região menos inóspita o lugar de banimento. As súplicas de Ovídio estão perpetuadas em duas coletâneas, as "Tristes" e as "Pônticas", que lhe reúnem os poemas do exílio. O lastro autobiográfico e os acentos do tocante desespero que galvanizam esses poemas dão-lhes um vigor expressivo e um interesse humano raros de encontrar-se na lírica da Antiguidade, em que o gosto da imitação e o recurso sistemático a um elenco de motivos mais ou menos fixos continham as efusões da subjetividade dentro dos quadros do convencional. Os poemas ovidianos do exílio rompem os limites desse enquadramento para fazer soar, numa antecipação de séculos, a voz do Eu romântico e pós-romântico que, no desfrute dos "seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações" -a citação é de Hegel-, toma consciência de si e do seu próprio estar-no-mundo.

Para se ter uma idéia da distância que separa a arte graciosamente maliciosa e frívola dos poemas de juventude de Ovídio da dramática gravidade dos seus últimos poemas é instrutivo comparar a peça dos ``Amores'' (I: 5) com as das "Tristes" (V: 7) e das "Pônticas" (I: V) para aqui trazidas em tradução. Os "Amores", escritos quando o poeta ainda não contava 20 anos de idade, estão compostos no verso de eleição da poesia erótica latina, o chamado "dístico elegíaco", formado de dois versos de medidas diferentes. Esse verso procede da antiga poesia grega, onde era usado nas inscrições funerárias; mais tarde, desvinculou-se dessas conotações entre fúnebres e lamentosas. Estas, entretanto, vão reaparecer nos dísticos dos poemas ovidianos de exílio, a cujo tom de desalento e tristeza quadra bem o adjetivo "elegíacos".

Enquanto a peça dos "Amores" versa um tópico tradicional da lírica amorosa, qual seja a descrição dos encantos do corpo feminino, a elegia das "Tristes" mostra-nos Ovídio a fazer da poesia escrita em Tomos seu canal de comunicação com a pátria que fora forçado a abandonar para sempre; daí falar ele em "carta" logo no verso de abertura e confessar mais adiante que no "estudo", ou seja, no exercício da atividade intelectual, encontra o único lenitivo ao seu alcance: "Nos versos busco olvido das misérias que me afligem". Além da breve, mas viva descrição da aparência física e dos costumes selváticos dos bárbaros entre os quais habita, há nessa elegia um pormenor altamente expressivo da dramática do exílio: a perda progressiva da língua-mãe pelo "descostume" de usá-la; para não a perder e à falta de interlocutores, o poeta fala consigo próprio e se esforça por lembrar "palavras dessuetas" a fim de manter viva sua identidade de "poeta romano".

Se, a despeito de serem cartas versificadas, as "Tristes" se designam ainda como "elegias" por causa dos dísticos em que estão vazadas, as "Pônticas", embora compostas no mesmo tipo de verso, já se declaram "epístolas" e trazem amiúde, logo abaixo do título, o nome de seu destinatário. A que adiante se vai está endereçada a Fábio Máximo, um dos poucos amigos que permaneceu leal a Ovídio. Tanto assim que, na viagem para Tomos, acompanhou-o pessoalmente até Brindes, sem medo de comprometer-se aos olhos de Augusto pela sua lealdade ao poeta, a quem muitos outros supostos amigos voltaram as costas tão logo o viram cair em desgraça. Nessa epístola a Máximo, discute Ovídio o porquê de continuar escrevendo e justifica a espontaneidade ("Contento-me em compor o que me venha facilmente"), tanto quanto a rudez dos seus versos, pelas adversidades de sua condição de exilado, de que eles seriam o reflexo ou o homólogo fiel.
José Paulo Paes é poeta, tradutor e ensaísta, autor de ``Prosas Seguidas de Odes Mínimas'' e ``A Aventura Literária''.

Leia o poema abaixo que dá origem a todas as nossas canções de exílio. Embora tenha repetidas vezes solicitado perdão a Augusto e a revogação do édito de exílio, o imperador jamais se compadeceu dele, deixando-o morrer no Oriente.

Um poeta entre os bárbaros

JOSÉ PAULO PAES especial para a Folha



TRISTIUM

Ovidio - Libro 1
Capitolo Par. 3
Cum subit illius tristissima noctis imago,
quae mihi supremum tempus in urbe fuit,
cum repeto noctem, qua tot mihi cara reliqui,
labitur ex oculis nunc quoque gutta meis.
iam prope lux aderat, qua me discedere Caesar
finibus extremae iusserat Ausoniae.
nec spatium nec mens fuerat satis apta parandi:
torpuerant longa pectora nostra mora.

non mihi seruorum, comitis non cura legendi,
non aptae profugo uestis opisue fuit.
non aliter stupui, quam qui Iouis ignibus ictus
uiuit et est uitae nescius ipse suae.
ut tamen hanc animi nubem dolor ipse remouit,
et tandem sensus conualuere mei,
alloquor extremum maestos abiturus amicos,
qui modo de multis unus et alter erant.

uxor amans flentem flens acrius ipsa tenebat,
imbre per indignas usque cadente genas.
nata procul Libycis aberat diuersa sub oris,
nec poterat fati certior esse mei.
quocumque aspiceres, luctus gemitusque sonabant,
formaque non taciti funeris intus erat.
femina uirque meo, pueri quoque funere maerent,
inque domo lacrimas angulus omnis habet.

si licet exemplis in paruis grandibus uti,
haec facies Troiae, cum caperetur, erat.
iamque quiescebant uoces hominumque canumque
Lunaque nocturnos alta regebat equos.
hanc ego suspiciens et ad hanc Capitolia cernens,
quae nostro frustra iuncta fuere Lari,
'numina uicinis habitantia sedibus,' inquam,
'iamque oculis numquam templa uidenda meis,
dique relinquendi, quos urbs habet alta Quirini,
este salutati tempus in omne mihi.

et quamquam sero clipeum post uulnera sumo,
attamen hanc odiis exonerate fugam,
caelestique uiro, quis me deceperit error,
dicite, pro culpa ne scelus esse putet.
ut quod uos scitis, poenae quoque sentiat auctor:
placato possum non miser esse deo.'
hac prece adoraui superos ego, pluribus uxor,]
singultu medios impediente sonos.

illa etiam ante Lares passis adstrata capillis
contigit extinctos ore tremente focos,
multaque in auersos effudit uerba Penates
pro deplorato non ualitura uiro.
iamque morae spatium nox praecipitata negabat,
]uersaque ab axe suo Parrhasis Arctos erat.
quid facerem? blando patriae retinebar amore,]
ultima sed iussae nox erat illa fugae.

a! quotiens aliquo dixi properante 'quid urges?
uel quo festinas ire, uel unde, uide.'
a! quotiens certam me sum mentitus habere
horam, propositae quae foret apta uiae.
 ter limen tetigi, ter sum reuocatus, et ipse
indulgens animo pes mihi tardus erat.
saepe 'uale' dicto rursus sum multa locutus,
et quasi discedens oscula summa dedi.
saepe eadem mandata dedi meque ipse fefelli,

respiciens oculis pignora cara meis.
denique 'quid propero? Scythia est, quo mittimur', inquam,
]'Roma relinquenda est, utraque iusta mora.
uxor in aeternum uiuo mihi uiua negatur,
et domus et fidae dulcia membra domus,
quosque ego dilexi fraterno more sodales,
o mihi Thesea pectora iuncta fide!
dum licet, amplectar: numquam fortasse licebit
amplius; in lucro est quae datur hora mihi.'

nec mora sermonis uerba inperfecta relinquo,
complectens animo proxima quaeque meo.
dum loquor et flemus, caelo nitidissimus alto,
stella grauis nobis, Lucifer ortus erat.
diuidor haud aliter, quam si mea membra relinquam,
et pars abrumpi corpore uisa suo est.
sic doluit Mettus tum cum in contraria uersos
ultores habuit proditionis equos.
tum uero exoritur clamor gemitusque meorum,
et feriunt maestae pectora nuda manus.

tum uero coniunx umeris abeuntis inhaerens
miscuit haec lacrimis tristia uerba suis:
'non potes auelli: simul ah! simul ibimus', inquit,
'te sequar et coniunx exulis exul ero.
et mihi facta uia est, et me capit ultima tellus:
accedam profugae sarcina parua rati.
te iubet e patria discedere Caesaris ira,
me pietas: pietas haec mihi Caesar erit.'
talia temptabat, sicut temptauerat ante,
uixque dedit uictas utilitate manus.

egredior (siue illud erat sine funere ferri?)
squalidus inmissis hirta per ora comis.
illa dolore amens tenebris narratur obortis
semianimis media procubuisse domo,
utque resurrexit foedatis puluere turpi
crinibus et gelida membra leuauit humo,
se modo, desertos modo complorasse Penates,
nomen et erepti saepe uocasse uiri,

nec gemuisse minus, quam si nataeque meumque
uidisset structos corpus habere rogos,
et uoluisse mali moriendo ponere sensum,
respectuque tamen non potuisse mei.
uiuat et absentem, quoniam sic fata tulerunt,
uiuat ut auxilio subleuet usque suo.



OS TRISTES

Quando me vem à mente a tristíssima imagem daquela noite,
Que foi para mim o último instante na Cidade,
Quando recordo a noite em que deixei tantas coisas queridas,,
Corre ainda agora uma lágrima dos meus olhos.
Já estava próxima a luz do dia em que César tinha ordenado
Que eu me retirasse dos territórios da extrema Ausônia.
Não tinha tido nem o tempo necessário
Nem o espírito suficientemente apto para me preparar:
Meu coração se tinha entorpecido com a longa demora.




Não tive o cuidado de escolher meus escravos,
Nem de escolher um companheiro, nem a indumentária
Ou coisas necessárias a um banido. Não fiquei menos atordoado
Do que aquele que, Ferido pelos raios de Júpiter ainda vive
E está, ele mesmo, inconsciente de sua vida.
Quando, porém, a própria dor removeu esta nuvem do meu espírito,
E, finalmente, os meus sentidos se restabeleceram, falo,
Pela última vez antes de partir, aos amigos tristes ,
Que dentre muitos, há pouco tempo, eram um ou dois.


A minha afetuosa esposa chorando, abraçava-me, eu que também chorava,
Com amargura, mais ainda corriam-lhe as lágrimas copiosamente
Pelas faces não merecedoras disso.
A minha filha estava longe, afastada pelas plagas da Líbia,
Nem sequer podia saber do meu destino.
Por qualquer lugar que olhasse havia um gemido, dentro da casa,
Havia o aspecto de um sentido funeral: Mulheres, homens, crianças mesmo
Estão desolados com a minha morte, e na casa, em cada canto há uma lágrima.



Se for lícito usar de grandes exemplos em pequenas coisas,
Este é o aspecto de Troia, quando foi tomada.
E já calavam-se as vozes as vozes dos homens e dos cães,
E a alta lua dirigia os seus cavalos noturnos. olhando-a
E observando desde ela o Capitólio,
Que em vão estava junto ao nosso lar, eu exclamo:
“Ó divindades habitantes nestes lugares vizinhos e templos que jamais
Serão vistos por meus olhos, e deuses que deverão ser deixados,
Os quais possui a soberba cidade de Quirino,
Senti minha saudação para todo sempre!






E embora apanhe tarde o escudo após os ferimentos,
Contudo livrai esta fuga de ódios,
E dizei ao homem celeste (Augusto) que erro me enganou,
Para que não pense existir crime em lugar de uma simples falta,
Para que o autor do meu castigo julgue também o que vós sabeis;
Aplacado esse deus, posso não  ser infeliz.”
Eu pedi aos deuses com esta prece, a minha esposa com preces mais numerosas,
Entrecortando o soluço as suas palavras pela metade.’’



Ela também prostrada ante os deuses lares
Com os cabelos desgrenhados tocou o fogo extinto com a boca trêmula,
Dirigiu aos penates adversos muitas palavras,
Que não valeriam nada em favor do seu deplorado marido.
E já a noite avançada negava o tempo para a demora,
Em a Ursa de Parrásia estava desviada de su eixo:
Que fazer? Eu era retido pelo deoce amor da pátria,
Mas aquela era última noite da fuga ordenada.






Ah! Quantas vezes eu disse quando alguém se apressava:
Por que te apressas?
Vê ou para onde te apressas a ir, ou de onde vens!
Ah! Quantas vezes fingi ter uma hora fixada,
Que fosse própria à viagem  projetada.
Três vezes toquei o limiar, três vezes voltei e o próprio pé,
Indulgente para com a alma, era lento para mim.
 Muitas vezes, depois de dizer adeus,  falei novamente muitas coisas,
E quase saindo, Dei os derradeiros beijos.
Muitas vezes dei as mesmas ordens, e eu próprio me enganei,





Olhando com meus olhos os objetos caros.
Por fim exclamo:  “Por que me apresso? Existe a Cítia para onde eu sou mandado;
Roma deve ser deixada; uma e outra demora é justa.
A esposa viva é negada para sempre a mim vivo,
E a minha casa, e os doces membros da minha fiel casa
E vós companheiros que amei de modo fraternal,
Ó corações unidos a mim pela lealdade de Teseu! Enquanto é lícito, abraçar-vos-ei: Talvez nunca mais seja lícito: a hora que me é dada é de grande proveito.








E não há demora;  deixo incompletas as palavras de minha conversa,
Abraçando os que estão próximos do meu coração.
Enquanto falo e choramos, Lúcifer brilhantíssimo no alto céu,
Estrela fatal para nós, tinha surgido.
Separo-me não de outra forma que se deixasse meus membros,
E uma parte pareceu ser arrancada do seu corpo.
Assim sofreu Mécio então, quando teve como vingadores de sua traição
Os cavalos voltamos em direções contrárias.
Então sim, levantaram-se o clamor e o choro dos meus,
E as mãos aflitas ferem os peitos nus.





Então sim a minha esposa, apoiando-se nos ombros do que partia,
Misturou estas tristes palavras às minhas lágrimas:
“Não podes ser arrancado de mim! Sairemos daqui juntamente,
Ambos ao mesmo tempo; seguir-te-ei; esposa de um exilado, exilada serei.
Também para mim o caminho do exílio foi feito e a longínqua terra me recebe.
Acrescentar-me-ei como pequena bagagem à embarcação que parte.
A ira de César ordena que saias da pátria; a mim, o amor conjugal;
Este amor será César para mim.”
Tentava tais coisas, assim como tentara antes,
E na custo deu-se por vencida por causa do nosso interesse.




Saio, ou melhor, aquilo era como ser levado sem pompa,
Esquálido com os cabelos pelas faces ásperas
Afirma-se que ela louca de dor, sobrevindo as trevas,
Semimorta caiu no meio da casa.
E assim que acordou com os cabelos sujos de pó imundo
E levantou do chão os gélidos membros,
Diz-se que ela ora chorava os penates abandonados,
Ora chorava muitas vezes o nome do marido perdido.




E não chorou menos do que se tivesse visto
As fogueiras erguidas para receber o meu corpo,
E afirma-se que ela quis morrer e morrendo perder o sentimento
E não perdeu, contudo, em consideração a mim.
Que viva! E viva para que console sempre com sua ajuda
Ao marido ausente, porque assim os fados o quiseram.
 

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