domingo, 21 de setembro de 2014


O irrequieto Voltaire, depois de muitos embates políticos e uma soma de fracassos e pesadas desilusões, repousava já de há séculos, sereno e pálido, em seu suntuoso jazigo do panteão parisiense.
Cândido, já viúvo de sua Cunegundes, desiludido de todos os governos que conhecera por diferentes partes do mundo, séculos a fora, chegara, num transatlântico de luxo, à paradisíaca Rio de Janeiro.
Não compreendia o que tinha a ver Rio com janeiro. Não encontrara rio algum. Era setembro, estava diante de uma imensa baía, povoada de jovens deslumbrantes. Julgou que, inadvertidamente, houvesse, como Dante, chegado ao próprio paraíso. Do purgatório e do inferno, já havia provado sobejamente nos conturbados caminhos da Europa.
Foi descoberto, de imediato, por um estudioso de literatura francesa que o reconheceu pela candura. Contou-lhe, o novo admirador, que Pangloss falecera, desiludido da filosofia iluminista de Leibniz, sem, no entanto, abandonar a teoria do melhor dos mundos possíveis.
Como, pelos giros do destino, recebera uma herança de valor incalculável de sua amada e falecida Cunegundes, filha do barão de Thunder-ten-tronckh, não tinha o pensador Cândido, como o Rubião de Machado, restrição financeira alguma. Desde que chegara, encantara-se com a generosidade dos cariocas. Ofereciam-lhe de tudo. Tudo muito barato.
Havia adquirido, por módicos valores, até mesmo uma ilha na cidade. Haviam-lhe garantido que por aqui todos são absolutamente honestos, de tal forma que poderia confiar seu cartão de crédito a qualquer cidadão, que seriam indistintamente confiáveis. Desde esse momento, não mais se deu o trabalho de ir ao comércio. Os amigos faziam tudo por ele, com inteiro desprendimento.
O intelectual que o acompanhava, que por sinal já se instalara no apartamento contíguo ao dele, no luxuoso hotel em que estava instalado, convidara-o para conhecer Brasília.
Cândido estava encantado com a honestidade local e atribuía esse fato, filosoficamente, à influência do espírito indígena, de que já tomara conhecimento no velho mundo. Sabia que os nativos daqui não conferiam valor algum ao dinheiro e aos bens materiais, chegando até mesmo ao cúmulo de trocar ouro e diamantes por pequenos espelhos.
Mas, na capital do país, aconteceu o apogeu de seu deslumbramento. Passou dias e dias enclausurado, no apartamento que o amigo adquirira para ambos, na área das embaixadas, ouvindo, lendo e assistindo aos discursos políticos.

Em parte alguma desse universo de Deus constatara tamanha lisura, tal desprendimento e espírito de amor ao povo e à pátria. Aqui, o mal não florescera. A honradez de comportamento marcava todos, desde o mais simples cidadão de rua ao mandante máximo do país. A partir desse instante, jurou jamais afastar-se deste paraíso terreal, habitado por anjos reencarnados. Beato Cândido, Deus abençoe tua perspicácia.

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